A nicotina é um alcalóide que se liga aos recetores acetilcolina nicotínicos no cérebro – mas não te preocupes se não percebeste esta frase, o importante é que esta ligação desencadeia a libertação de dopamina, aquele neurotransmissor que nos faz sentir bem.
O lado bom da Nicotina (sim, ele existe)
Quem diria que a vilã do tabaco poderia ter qualidades redentoras? Estudos têm mostrado que a nicotina pode melhorar a atenção, a aprendizagem e a memória. Não é por acaso que muitos escritores e artistas juram pelo poder criativo que o cigarro lhes dá.
Ainda mais surpreendente: investigadores estão a estudar a nicotina como possível tratamento para doenças como Alzheimer e Parkinson. Em pequenos estudos clínicos, adesivos de nicotina melhoraram ligeiramente o desempenho cognitivo em pessoas com declínio cognitivo leve.
“Então a nicotina é um super remédio escondido?” Calma lá, não comeces já a comprar maços de tabaco como se tivesses receita médica. Estas investigações usam nicotina em formas controladas (como adesivos), não através do fumo, que traz consigo um monte de outros problemas.
O lado negro (e este é muito mais extenso)
Se a nicotina fosse uma pessoa, seria daquelas que te empresta dinheiro com juros absurdos. O prazer momentâneo vem com um preço elevadíssimo a longo prazo.
A nicotina é extremamente viciante – comparável à heroína ou à cocaína na sua capacidade de criar dependência. Quando inalada no fumo do cigarro, chega ao cérebro em segundos, desencadeando aquela libertação de dopamina que mencionámos antes. É como ganhar o euromilhões cerebral, mas em vez de ser uma vez na vida, é de 20 em 20 minutos.
E vamos falar do coração. A nicotina estimula a libertação de adrenalina, causando um aumento agudo da frequência cardíaca e da pressão arterial. É como se o teu coração estivesse constantemente a correr uma maratona sem nunca chegar à meta.
Para além disso, a nicotina contrai os vasos sanguíneos e pode contribuir para o endurecimento das paredes arteriais ao longo do tempo. A Associação Americana do Coração avisa que a nicotina pode ser um gatilho para ataques cardíacos, reduzindo o fluxo sanguíneo nas artérias e promovendo a acumulação de placas.
Cancro: O elefante na sala
Vamos esclarecer uma coisa: a nicotina em si não é o principal carcinogénico do tabaco; são as numerosas outras substâncias químicas no fumo do tabaco (alcatrão, nitrosaminas, benzeno, arsénio, etc.) que danificam diretamente o ADN e causam o cancro.
Mas a nicotina não é inocente. Investigações emergentes indicam que a nicotina pode atuar como promotor de tumores – pode estimular vias celulares que incentivam o crescimento de tumores ou metástases. A ligação da nicotina aos recetores nas células pode desencadear a libertação de fatores de crescimento e inibir a apoptose (morte celular), potencialmente permitindo que células cancerígenas prosperem.
Fumar causa cerca de 90% de todas as mortes por cancro do pulmão em homens e 80% em mulheres, bem como muitos cancros da boca, garganta, esófago, bexiga, pâncreas e muito mais.
Formas de consumo: Do pior ao “menos mau”
Existem diversas formas de consumo de nicotina e nenhuma é segura ou boa para a saúde. No entanto, existem algumas formas de consumo menos severas do que outras. Vamos inumerá-las por ordem de risco para a tua saúde:
Tabaco combustível: Cigarros, charutos e cachimbos
Esta é a forma mais perigosa de consumo de nicotina. Um cigarro típico fornece cerca de 2mg de nicotina absorvida rapidamente na corrente sanguínea, causando uma forte “pancada” viciante. No entanto, o fumo também liberta monóxido de carbono, alcatrão e pelo menos 70 carcinogénios conhecidos nos pulmões.
Cigarros eletrónicos
Os dispositivos de vaporização aquecem uma solução líquida contendo nicotina (mais aromatizantes e outros aditivos) num aerossol que o utilizador inala, sem combustão. Vapear expõe os utilizadores a muito menos substâncias químicas tóxicas do que o tabaco. A Saúde Pública de Inglaterra estima que os cigarros eletrónicos são cerca de 95% menos prejudiciais do que o tabaco.
Tabaco oral sem fumo: Tabaco de mascar, rapé e bolsa de nicotina
Estes são produtos de tabaco colocados na boca (ou nariz, no caso do rapé seco) para absorver nicotina através das membranas mucosas. Como não há combustão, o tabaco sem fumo evita os riscos pulmonares associados ao fumo. No entanto, traz consigo os seus próprios perigos, como o cancro da boca, língua, bochechas, gengivas e garganta.
Terapia de substituição: Adesivos, pastilhas, comprimidos, etc.
Estas são formas medicinais de nicotina concebidas para ajudar as pessoas a deixar de fumar, desmamando-as gradualmente da nicotina. São considerados muito mais seguros do que o tabaco. De facto, a Organização Mundial da Saúde incluiu a terapia de substituição de nicotina na sua lista de medicamentos essenciais como uma ajuda segura para a cessação tabágica.
Factos históricos e curiosidades sobre a Nicotina
A nicotina tem uma história fascinante que atravessa culturas e séculos. A substância tem o nome de Jean Nicot, um diplomata francês do século XVI que é creditado com a introdução do tabaco na corte real francesa. Em 1560, Nicot enviou sementes de tabaco e folhas em pó (para cheirar como rapé) à Rainha Catarina de Médici, promovendo-as como um remédio para as enxaquecas da Rainha.
Um facto pouco conhecido é que a nicotina não é exclusiva do tabaco – encontra-se em quantidades vestigiais noutras plantas da família das solanáceas. Plantas comestíveis como batatas, tomates, beringelas e pimentos contêm apenas níveis muito pequenos (partes por mil milhões) de nicotina.
Estas quantidades são demasiado baixas para ter efeitos semelhantes a drogas nos humanos, mas sugerem o papel da nicotina na natureza: funciona como um químico anti-herbívoro.
Um relacionamento complicado
A nicotina é aquela relação tóxica que sabes que deves terminar, mas continuas a voltar.
Tem alguns benefícios potenciais em contextos médicos controlados, mas os riscos gerais de uso – especialmente através do fumo – superam em muito qualquer vantagem para a pessoa média.
Se estás a tentar deixar o vício, há esperança. As terapias de substituição de nicotina, bem como o uso de cigarros electrónicos sem nicotina e de CBD, podem duplicar as tuas hipóteses de sucesso. E lembra-te: cada tentativa aproxima-te da libertação deste amigo traiçoeiro.
Então, da próxima vez que pensares em acender um cigarro, lembra-te: a nicotina pode dar-te um abraço momentâneo, mas está a preparar uma facada nas costas a longo prazo.
Fontes adicionais
Para quem quer saber mais sobre este tema fascinante, deixamos algumas referências online:
- Sociedade Portuguesa de Pneumologia: https://www.sppneumologia.pt/ – Informação científica sobre os efeitos do tabagismo na saúde pulmonar
- Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo: https://www.dgs.pt/programa-nacional-para-a-prevencao-e-controlo-do-tabagismo.aspx – Iniciativas nacionais para redução do consumo de tabaco
- Liga Portuguesa Contra o Cancro: https://www.ligacontracancro.pt/ – Informação sobre a relação entre tabagismo e cancro
- SNS24: https://www.sns24.gov.pt/tema/habitos-saudaveis/deixar-de-fumar/ – Recursos para quem quer deixar de fumar