Será que nascemos com PHDA ou podemos desenvolvê-la ao longo da vida? A resposta é mais complexa do que parece.
Quem acompanha os nossos artigos já sabe que gostamos de ir diretos ao assunto, sem rodeios. E o assunto de hoje é daqueles que provoca debates acalorados entre pais, professores e até médicos: a PHDA – Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção.
Afinal, nascemos com esta condição ou podemos “apanhá-la” mais tarde na vida? Quem já teve um miúdo que parece funcionar a pilhas duracel ou um adulto que não consegue focar-se em nada por mais de cinco minutos, sabe do que estou a falar. Vamos aos factos, porque de palpites já está o mundo cheio.
O peso da Genética: Quando os genes falam mais alto
Os estudos científicos não deixam margem para dúvidas: a PHDA tem uma forte componente genética. E quando digo forte, não estou a exagerar. Estamos a falar de uma herdabilidade de 70-80%, o que significa que se os teus pais têm PHDA, as tuas hipóteses de teres também são mais elevadas que uma conta da luz no inverno.
Para contextualizar, este nível de herdabilidade é semelhante ao do autismo e da perturbação bipolar. Não é brincadeira.
Mas atenção, não existe um “gene da PHDA” – aquela ideia de que basta ter um gene específico para desenvolver a condição é tão simplista como pensar que o Benfica só perde quando o árbitro é mau. A realidade é que estamos a falar de uma interação complexa entre vários genes, que afetam principalmente os sistemas de neurotransmissores no cérebro, com destaque para a nossa amiga dopamina.
Investigações identificaram variações nos genes DRD4 e COMT, entre outros, mas nenhum deles é, por si só, o culpado. É mais como uma orquestra desafinada do que um solista que desafinou.
Ambiente: Quando o exterior deixa marca
Não podemos culpar tudo nos genes. O ambiente tem o seu papel, contribuindo para cerca de 20-30% da variação nos sintomas. É como dizer que o talento é importante num concerto, mas a luz e as condições também influenciam o resultado final.
Quais são os fatores ambientais que mais pesam? Vamos à lista:
- Exposição pré-natal a tóxicos: Mães que bebem álcool ou fumam durante a gravidez aumentam significativamente o risco de PHDA nos filhos. É como começar um jogo já com cartão amarelo.
- Nascimento prematuro: Bebés que vêm ao mundo antes do tempo ou com baixo peso têm maior probabilidade de desenvolver sintomas de PHDA. O cérebro precisa daquele tempo extra no forno para se desenvolver completamente.
- Metais pesados e poluentes: O chumbo, em particular, tem uma relação bem estabelecida com problemas de atenção e hiperatividade. É por isso que já não pintamos casas com tintas de chumbo, não é por serem caras.
- Traumas na infância: Experiências adversas, ambientes caóticos e stress crónico podem agravar ou até mesmo imitar sintomas de PHDA. O cérebro em desenvolvimento é sensível como um sensor de alarme barato – dispara com facilidade.
PHDA na idade adulta: Descoberta tardia ou nova aquisição?
Aqui está a questão que faz muita gente coçar a cabeça: pode-se desenvolver PHDA já em adulto? A resposta curta é “não, tecnicamente”. Segundo o DSM-5, a bíblia dos diagnósticos psiquiátricos, a PHDA é uma perturbação do neurodesenvolvimento com sintomas que devem estar presentes antes dos 12 anos.
Mas então por que há tantos adultos a serem diagnosticados? A explicação é simples e fazemo-la em três pontos:
- Diagnósticos perdidos: Muitos adultos tinham sintomas em criança, mas nunca foram diagnosticados. Especialmente mulheres, que tendem a apresentar mais sintomas de desatenção do que hiperatividade, passando despercebidas. É como aquele pequeno problema no carro que ignoramos até que um dia…
- Compensação: Algumas pessoas desenvolvem estratégias para lidar com os sintomas, que só falham quando enfrentam novos desafios ou ambientes mais exigentes. Funcionaram bem até que chegou a faculdade ou aquele emprego novo com mais responsabilidades.
- Imitadores da PHDA: O que parece PHDA nem sempre o é. Stress crónico, ansiedade, depressão, e até problemas de tiróide podem causar sintomas semelhantes. É como confundir um Fiat com um Ferrari só porque ambos são vermelhos.
Os grandes imitadores: Quando parece PHDA mas não é
Antes de correr para o diagnóstico de PHDA em adultos, é crucial descartar outras condições. Vamos às mais comuns:
- Stress Pós-Traumático: A hipervigilância e a dificuldade em focar-se podem parecer PHDA, mas têm uma origem completamente diferente.
- Ansiedade e Depressão: O cérebro ansioso está sempre em alerta, enquanto o deprimido tem dificuldade em encontrar motivação e foco. Ambos podem parecer défice de atenção.
- Traumatismos Cranianos: Uma pancada na cabeça pode deixar sequelas nas funções executivas que parecem PHDA. É por isso que devemos usar capacete, não é só para termos bom aspeto.
- Abuso de Substâncias: Álcool e drogas em excesso podem destruir a capacidade de concentração e autocontrolo, criando um quadro que se assemelha à PHDA.
- Problemas de Sono: A privação de sono crónica pode transformar qualquer pessoa num desatento impulsivo.
Então, afinal, o que causa a PHDA?
A PHDA é, primariamente, uma condição de base neurobiológica com forte influência genética, que se manifesta cedo na vida. Não acordamos um dia com PHDA como quem acorda com uma constipação. No entanto, diversos fatores ambientais podem influenciar a sua gravidade e expressão.
O diagnóstico em adultos é possível e válido, mas geralmente representa a descoberta de uma condição que sempre esteve lá, não uma nova aquisição. E para complicar ainda mais, várias outras condições podem mimetizar os seus sintomas.
Se te identificas com sintomas de PHDA, a melhor abordagem é procurar uma avaliação completa com um especialista. Até lá podes encontrar um teste diagnóstico aqui.
Afinal, tal como não identificas um problema no carro olhando apenas para a cor da pintura, também não deves diagnosticar o teu cérebro baseado apenas em comportamentos superficiais.
Fontes Adicionais para Consulta:
- Sociedade Portuguesa de Neurologia – https://www.spneurologia.com
- Associação Portuguesa da Criança Hiperativa – https://www.apdch.net
- Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA – https://www.nimh.nih.gov/health/topics/attention-deficit-hyperactivity-disorder-adhd
- Academia Americana de Pediatria – https://www.aap.org/en-us/Pages/Default.aspx
- Revista Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental – https://www.sppsm.org/revista