Já alguma vez tentaste meditar ao som de uma britadeira? Pois bem, para mulheres autistas, os vibradores podem ser exactamente isso – uma experiência sensorial que parece fantástica no papel, mas que na prática é comparável a ouvir unhas num quadro.
Enquanto o mundo do prazer evolui a passos largos, com ferramentas cada vez mais sofisticadas a prometer levar qualquer pessoa ao céu e voltar em tempo recorde, existe um grupo de mulheres para quem estes “avanços tecnológicos” são mais um obstáculo do que uma ajuda. E não, não estamos a falar de factores psicológicos, como quem acha que é pecado ou sente vergonha – estamos a falar do factor da neurodiversidade.
O Espectro, o Prazer e o Motor Barulhento
Para mulheres no espectro do autismo, encontrar o brinquedo sexual certo pode ser uma verdadeira odisseia digna de comparação com a procura do Santo Graal. Não é que não queiram experimentar – é que a experiência sensorial pode transformar-se rapidamente num pesadelo.
A hipersensibilidade sensorial, característica comum no autismo, transforma o que deveria ser um momento de prazer num teste de resistência neurológica. É como tentar relaxar num spa enquanto ocorre uma demolição no prédio ao lado – simplesmente não funciona.
O factor do Ruído – Quando o “zzzzzzz” é infelizmente um “rrrrrrrrr”
Embora os fabricantes se esforcem para criar vibradores cada vez mais silenciosos, a verdade é que a maioria continua a produzir decibéis suficientes para causar desconforto significativo em pessoas autistas.
Para quem não está no espectro, aquele zumbido discreto é facilmente ignorado em nome do prazer. Para uma mulher autista, é como tentar concentrar-se enquanto alguém usa uma rebarbadora no quarto ao lado – praticamente impossível.
Ainda que o ruído possa não ser suficiente para tornar a experiência dolorosa, este pode ser suficientemente distrativo para impedir que se atinga o orgasmo, resultando muitas vezes em frustração e irritabilidade suficientes para perdermos totalmente a vontade do ato masturbatório e preferirmos ir sentar no sofá a comer gelado e ver a novela.
Para lá do Ruído – Quando a vibração é uma agressão
Se pensavas que o problema estava apenas no som, prepara-te para uma surpresa. A hipersensibilidade táctil também pode transformar o que deveria ser uma carícia estimulante numa sensação comparável a uma lima das unhas na pele.
Para muitas mulheres autistas, a intensidade da vibração – mesmo nos níveis mais baixos – pode ser simplesmente “demasiado”. É como quando alguém te faz cócegas quando tu detestas cócegas – aquilo que deveria ser divertido torna-se numa experiência desagradável.
Para os seus parceiros, isto pode ser confuso. “Como assim não gostas de massagens?” é uma pergunta frequente, geralmente acompanhada por um olhar de incredulidade. O mesmo se aplica ao “Como assim não gostas deste vibrador ultra-premium que me custou um rim?”
O nível de vibração ou sucção de um vibrador pode ser demasiado forte mesmo no nível mínimo, ou então pode apenas não ser o certo, em que um nível não é suficiente, provocando uma cócega incómoda e o nível seguinte ser muito forte, provocando dor.
Pode ainda não vibrar no padrão ou movimento adequado para ti, o que resulta apenas em mais desilusão e frustração quando já experimentaste todos os modos e descobriste que compraste mais um brinquedo para o lixo.
Nem tudo o que vibra é ouro
Enquanto o mercado se concentra em criar brinquedos cada vez mais tecnológicos, com dezenas de modos de vibração, luzes LED e até ligação Bluetooth (porque aparentemente precisamos de uma app para tudo hoje em dia), muitas mulheres autistas acabam por optar pelo básico.
Os dildos tradicionais, sem motores, vibrações ou efeitos especiais, tornam-se frequentemente a opção favorita. Ao contrário dos motorizados, estes permitem o controle total de pressão, velocidade e direção, oferecendo à mulher autista exatamente o prazer desejado. Tem a desvantagem de se ficar com os braços cansados depois do orgasmo, tal como acontece com os homens durante a masturbação.
Encontrar o equilíbrio perfeito – Uma busca contínua
Para mulheres autistas, encontrar o brinquedo sexual certo é uma questão de tentativa e erro – muita tentativa e muito erro. O que funciona para a maioria pode ser completamente inadequado para elas, e o que funciona para a mulher autista pode ser relatado como insuficiente para outras mulheres.
É importante que fabricantes comecem a considerar estas diferentes necessidades sensoriais. Afinal, a neurodiversidade não desaparece no quarto – e o prazer deveria ser acessível a todas, independentemente da forma como o cérebro processa as sensações.
Dicas práticas
Se és uma mulher autista ou tens uma parceira no espectro, aqui ficam algumas sugestões:
- Prefere brinquedos com controlo de intensidade e velocidade gradual, não apenas níveis pré-definidos;
- Opta por marcas que anunciam especificamente produtos “ultra-silenciosos”;
- Experimenta brinquedos não motorizados ou com vibração muito suave;
- Lembra-te que não há problema nenhum em preferir o toque humano ou a estimulação manual;
- Pode ser preferível visitar uma sex shop e pedir aconselhamento do funcionário sobre as características dos vários produtos em vez de comprar online.
A verdade nua e crua
No fim do dia, o importante é que cada pessoa encontre o que funciona para si. Não há uma solução universal quando se trata de prazer, e isso é ainda mais verdade para quem está no espectro do autismo.
O mundo da sexualidade e do prazer é amplo o suficiente para acomodar todas as preferências e necessidades – é só uma questão de encontrar o caminho certo, mesmo que esse caminho não passe pelos últimos gadgets de alta tecnologia que prometem orgasmos intergalácticos.
Para mais informações sobre autismo e sensibilidade sensorial, consulta estas fontes credíveis:
- Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger – Informação especializada sobre autismo
- Spectrum News – Artigos científicos sobre hipersensibilidade sensorial no autismo
- Autism Research Institute – Recursos baseados em evidências sobre autismo e processamento sensorial
- A relação das disfunções sensoriais com o autismo
- Hipersensibilidade auditiva no transtorno do espectro autístico
- Hipersensibilidade auditiva: sintoma frequente em pessoas com TEA
- Como diminuir a sensibilidade auditiva de crianças com TEA?
- Abril Azul: Dicas para lidar com a hipersensibilidade tátil
- Sensibilidade sensorial em crianças autistas: Tato
Agora, se me dão licença, vou continuar a defender que nem sempre o que tem mais botões e funções é o que proporciona a melhor experiência – seja a falar de tecnologia ou de brinquedos para adultos.